Affonsinho

Fios inter-ligados: cifras e letrinhas de Affonsinho

Sunday, May 21, 2006

A COSTUREIRA DE SONHOS

por Affonsinho


Não sei bem de onde vinha a amiga de minha irmã mais velha. Mas lembro-me que a moça tinha um certo carinho por mim. Talvez gostasse de crianças. Vez por outra aparecia, cheia de graça, linhas e panos coloridos para a costura de um bom papo e os consertos das roupas da família.
Ela e minha irmã ficavam horas e horas planejando, trocando idéias, moldando panos e alinhavando casos em volta da mesa grande da sala de jantar. Eu ficava por perto, apenas rodeando, brincando com meu Forte Apache ou assistindo às invenções da dupla Hanna/Barbera, na televisão.
Vibrava com Batefino, Xerife Bing Bing Ricochete, Lipy & Hardy, Maguila Gorila, Walligator, Herculóides, Space Ghost, Thor e tantos outros, além, é claro, do maior de todos : Nacional Kid. Só de vez em quando emprestava um pedacinho de meus ouvidos ao carretel comprido da conversa das moças.
Numa tarde mais que tranquila, durante um cochilo rápido (e bastante oportuno !) de meu anjo da guarda, escutei uma vozinha, acho que no meu ouvido esquerdo, dizendo mais ou menos assim :
- Cê não acha que tá meio chata essa televisão ? E se a gente desse um tempinho e olhasse um pouquinho para aquele outro lado alí ... ?
Senti que era a voz de um outro anjo, também amigo do meu dorminhoco guardião, só que sem aquela seriedade toda dele. Então, naquele momento, algum tipo de encanto invadiu a sala, tomou conta de meus olhos de menino e me levou para uma das boas viagens da vida, daquelas sem volta . . .
Fui transportado para duas belíssimas montanhas lisas e macias, bronzeadas pelo sol, arredondadas, quentinhas e muitíssimo insinuantes : o lindo par de coxas da costureira, amiga de minha irmã. Era eu sendo, forçosamente, apresentado ao desejo . . .
Não me lembro ao certo, mas acredito que depois dessa pequena viagem devo ter voltado para a tela da tv. Os adultos, mesmo os mais avançados, têm certa dificuldade com seus desejos, imaginem uma criança ! Talvez fosse realmente melhor deixar aquilo tudo e voltar para minha colcha de retalhos coloridos . . .
Porém, nas outras visitas da charmosa costureira, vez por outra, o amigo avançado do meu anjo guardião, projetava em minha mente aqueles joelhos tentadores, revestidos pela seda mais macia do mundo e eu só queria admirá-los de novo.
Agora já não tinha mais jeito. Daquele dia em diante, todas as vezes que as sedutoras coxas da costureira desfilassem nas passarelas de minha casa, lá ia eu arranjar algum motivo para ficar por perto. Pegava logo um carrinho e um mapa para as terras distantes da imaginação . . .
Oh, e como era bela a paisagem ! O carrinho viajava longe . . . e o motorista ia aprendendo o que era ter um segredo.
No fundo de minha (quase) pura percepção infantil eu tinha certeza que ninguém desconfiaria de minhas intenções para com as curvas da estrada da moça. Afinal eu era uma criança brincando inocentemente com seu automovelzinho.
No entanto, num dia daqueles bem especiais, ela apareceu lá em casa com uma mini-saia diferente. Talvez estivesse mais moreninha de praia ou a televisão apresentasse alguma programação meio lenta, não sei. Só lembro que foram as três : minha mãe, minha irmã e minha miss para a cozinha, saborear um cheiroso café com biscoitinhos. Então, chamei meu companheiro carrinho e partimos para o mesmo lugar.
A mesa arredondada da cozinha era de um mármore branco e tinha a altura ideal para ser considerada, por mim, uma espécie de ponte, onde meu Rolls Royce se divertia a valer. As três conversavam. Degustavam calmamente seus cafezinhos e biscoitinhos. Debaixo da ponte, eu, dirigindo meu Mustang. Observando, fascinado, a beleza das curvas da estrada de Cecé. Era esse o nome da tão cobiçada musa.
De repente, sem mais nem por que, vejo uma cabeça descendo até debaixo da mesa, sorrindo com ares de deboche e dizendo assim pra mim :
- Êh, Affonsinho, você não é facil, hein ? Já está aí, debaixo da mesa, só pra ficar olhando minhas pernas !
E todas riram um sorriso carinhoso, mas com aquela sabedoria antipática, às vezes, insuportável dos adultos. Simplesmente não acreditei ! As mulheres são fogo mesmo ! Fiquei na maior falta de graça do mundo. Acho que com as bochechas da cor de um tomate. Então, saí de fininho e voltei com meu Mercedes para as entediantes retas do chão de tacos da sala de visitas.
Ah, mas como eram lindas e inesquecíveis as deliciosas curvas da Cecé !

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